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A Retomada da Redemocratização

José Mendes de Oliveira

31 de outubro de 2022

Neste 30 de outubro de 2022, o Brasil assegura, por faixa muito apertada de votos, a possibilidade de reaver os caminhos da democracia e de um projeto civilizatório. A vitória de Lula e da Frente Brasil da Esperança tem o sentido de uma tomada de fôlego para evitar os avanços do neofascismo representado pelo bolsonarismo. No entanto, os números apresentados na consolidação dos votos, bem como a vitória de um político bolsonarista para o governo do estado de São Paulo, realça a realidade de um país ainda muito dividido. Considerada a faixa de renda dos eleitores, é correto admitir que Lula e sua frente chegam à vitória com o considerável apoio dos mais pobres da população (assalariados até 2 salários mínimos) e de uma parcela dos mais ricos (acima de 10 salários mínimos) esclarecida e comprometida com valores contrários à barbárie conduzida por Bolsonaro. Porém, o que fica evidente é a cooptação dos setores medianos pela lógica e valores do bolsonarismo, não obstante todos as loucuras praticadas por seus ideólogos e gestores na ocupação dos órgãos públicos e no exercício do poder. Esse fenômeno é evidenciado pela vitória do bolsonarismo nos estados mais ricos do sul e sudeste do país, bem como pela adesão de eleitores de locais onde predominam na formação da população os setores medianos, a exemplo do Distrito Federal, ainda que as políticas bolsonaristas representem uma ameaça real à sobrevivência desses eleitores (como é o caso do funcionalismo público).

A adesão de estratos medianos a correntes políticas conservadoras, reacionárias e autoritárias não é novidade. A história mundial e a própria história brasileira fornecem provas empíricas de que esses segmentos, muito suscetíveis aos pavores da mobilidade social descendente, se dobram facilmente à manipulação política. Acrescenta-se a esse aspecto o que poderia ser a predominância de uma certa personalidade ou caráter autoritário nesses setores da sociedade, o que pode ser entendido até certo ponto por intermédio dos estudos de Theodor Adorno nos EUA na década de 50, que buscava entender o fenômeno do antissemitismo e o impacto da indústria cultural no fascínio pelos regimes autoritários. De acordo com esses estudos, de uma forma muito resumida e simplificada, a ideologia fascista difundida por meios de comunicação de massas – que atualmente podem ser substituídos pela hegemonia da internet e das mídias sociais – consegue atingir uma estrutura de caráter de indivíduos tomados por expectativas, nostalgias, medos e por diversas inquietações (inclusive psicológicas). Esse tipo de sujeito é facilmente localizado nos estrados medianos, que se assustam de forma anacrônica com o fantasma comunista e se deixam seduzir por promessas de prosperidade, muitos advindas de crenças religiosas, ainda que sua posição na estrutura de produção seja a de um mero assalariado e, portanto, de alguém subordinado a lógica da produção de mais valia do sistema capitalista. Esses segmentos são seduzidos, no caso brasileiro mais recente, ao antipetismo e às diversas formas de preconceitos registradas no cotidiano brasileiro.

Os desafios de Lula e da Frente vitoriosa são inúmeros e entre eles, certamente, encontra-se a atração desses segmentos, sem os quais torna-se muito difícil a gestão do futuro governo. À semelhança de um processo de desnazificação, a sociedade brasileira carece de ações voltadas para a desbolsonarização dos seus setores medianos, particularmente no que se refere aos agentes que atuam dentro dos próprios quadros institucionais. Em parte, o antipetismo dos setores medianos assalariados se deve ao modus operandi dos governos petistas entre os anos de 2003 e 2016, que favoreceu setores mais carentes com políticas públicas inclusivas, mas não alterou a estrutura que concede privilégios aos segmentos mais ricos da sociedade, o que pode ser exemplificado no fato de que não houve uma reforma tributária mais justa. O sentimento de parte considerável dos segmentos medianos, inclusive entre o funcionalismo público, foi o de que a conta foi paga por esses segmentos, e o sentimento de ódio se alastrou na forma da antipatia ao Partido dos Trabalhadores. O novo governo tem um papel importante neste momento, além do enfrentamento da fome e de outras mazelas sociais, que é o de resgatar as bases institucionais democráticas e arrefecer a força do neofascismo bolsonarista. Isso só pode ser feito observando o comportamento dos setores medianos e traçando políticas que permitam a esses setores a percepção de que a democracia é mais vantajosa, inclusive do ponto de vista econômico, do que o barbarismo da extrema direita. O que deve ser enfrentado não é uma tarefa fácil, porque envolve a própria pacificação da sociedade brasileira, quando vários aspectos são adversos: o domínio do bolsonarismo em unidades importantes da federação, a presença significativa da extrema direita no Congresso e a infiltração dessa mesma extrema direita nos aparatos do Estado. A experiência política e a capacidade de composição de Lula e de seus auxiliares na Frente Brasil serão essenciais para garantir que o bolsonarismo perca espaço pelo reconhecimento do valor de uma boa gestão pública e pelo êxito de políticas públicas impactantes.

 

De qualquer forma, frente ao nível das dificuldades, se o novo governo conseguir, pelo menos, trazer o país para a normalidade do estado de direito e garantir o exercício democrático no âmbito do Estado e da sociedade civil, já terá feito o suficiente para ficar marcado na história brasileira como um governo de resgate e reedificação do país. A disposição de Lula e de seus auxiliares no sentido de trazer governadores, prefeitos e a própria sociedade civil organizada para ações de governo negociadas é um bom começo. O amanhã poderá ser realmente um novo dia, mais esperançoso, desde que a maior parte da população brasileira volte a acreditar que apostar na democracia vale a pena. Por enquanto, o país encontra-se dividido entre duas opções ideológicas e em seus votos, mas pode caminhar para o respeito à pluralidade, desde que o radicalismo da extrema direita seja combatido com veemência e, do nosso ponto de vista, a forma mais eficiente de travar esse combate é na demonstração de que o novo governo é competente para retirar o país da condição de pária no cenário internacional, para recoloca-lo nos trilhos do desenvolvimento econômico e social e, sobretudo, para dissuadir os que foram iludidos e cooptados pelo neofascismo de que o destino do bolsonarismo é a dissensão, o ódio destrutivo e a barbárie. Nesse sentido, além do combate imediato à fome e ao desamparo social, é relevante que se trace políticas que abranjam os setores medianos, além de forte incentivo à cultura e à educação como alternativas de enfrentamento do autoritarismo e das expressões neofascistas que, atualmente, ainda dominam muitas cabeças e corações.  

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