
Brasil: O Fim do Mundo é Aqui e Agora
José Mendes de Oliveira
03-dezembro-2021
O Brasil tem se revelado a cada dia e a cada momento uma coisa esdrúxula. O país é um monstrengo daqueles que causam medo e nojo ao mesmo tempo. Além dos desastres na política e na economia, que tem destinado a herança de Cabral a ser o pior dos mundos, o idiotismo junto com a esculhambação tem tomado conta do pedaço. O país de Macunaíma, do herói sem caráter, de inúmeros privilégios e da injustiça social empedernida, parece ter também a vocação para toda a espécie de absurdos que se possa imaginar. O conservadorismo generalizado e escaldado com o anacronismo do anticomunismo tem adubado o terreno para que, em breve, essa triste terra se torne o epicentro do ideário da extrema direita no mundo. A estranha transformação de um país mestiço em referência para fascistas e nazistas é algo maluco de se imaginar, mas tudo é possível abaixo do equador e não mais por debaixo dos panos, inclusive esse disparate. A resignação da população nessa era de total controle do neoliberalismo e da perda do espírito crítico também tem facilitado, além do espraiamento das inverdades, do negacionismo e da ignorância, ações estapafúrdias principalmente no meio político. A mais recente aconteceu no dia 30 de novembro deste tenebroso ano de 2021 em um recanto da pauliceia, que se julga hinterlândia, mas que talvez seja a expressão mais significativa do atraso tupiniquim. Trata-se da votação grotesca de uma moção de repúdio, contra uma propaganda dos Correios da Noruega em que o Papai Noel beija um homem, aprovada por seis votos na Câmara Municipal de Vereadores de Ribeirão Preto[1]. Parece coisa de louco e de fato é, mas, em verdade, é também coisa de moralistas caipiras e desocupados. O país de Macunaíma se vê às voltas com toda a espécie de desgraças – autoritarismo, destruição dos valores democráticos, desemprego, fome, inflação, desincentivo ao desenvolvimento científico e tecnológico, desesperança e falta de perspectiva, entre outras mazelas – e amarga um IDH de 0,57 em um ranking de países cuja pole position é ocupada justamente pela Noruega com um IDH próximo de 0,96. Para quem não está familiarizado com esse indicador, o IDH expressa o progresso do país em termos de saúde, educação e renda e o valor mais elevado da escala é igual a 1. Em suma, a Noruega é um país para lá de desenvolvido, principalmente se comparado com a terra brasilis. Além dessa diferença abissal, há também um aspecto geográfico muito importante: esse país nórdico encontra-se muito distante da América Latina e, mais precisamente, pelo menos 10 mil quilômetros de distância da caipira Ribeirão Preto. Por que diabos vereadores desse fim de mundo estão preocupados com a propaganda anti-homofóbica dos noruegueses? A resposta é muito simples, porque além de não ter o que fazer, já que não se sentem compromissados com os dilemas de sua própria sociedade, os políticos tupiniquins, na era do bolsonarismo desenfreado, reiteram o discurso e as práticas de um conservadorismo pobre, fruto do atraso, da incivilidade e da falta de esclarecimento (no sentido do exercício da razão). Em verdade, é o obscurantismo nas terras de Cabral que tem facilitado, como em vários outros momentos de sua história, o acolhimento caloroso do autoritarismo e do ideário da extrema direita como expressões políticas. A ignorância somada ao falso moralismo e à religiosidade tacanha – agora alimentada pelo fanatismo fundamentalista dos evangélicos – tem jogado o país na escuridão. Tudo indica que será muito difícil sair desse beco escuro sem uma transformação cultural e de renovação de valores contundente, que permita o resgate da criticidade e a defesa intransigente da cidadania. Esse tipo de ação requer elevado grau de compromisso e radicalidade com a mudança. É urgente e necessário, portanto, romper as amarras dos preconceitos e do ódio que se tornou dominante na sociedade brasileira e abraçar um projeto civilizatório. Então, o questionamento é inevitável, que atores se encontram dispostos a assumir o desafio? A situação é bastante aflitiva tendo em vista que restou muito pouco da mobilização de setores populares na sociedade brasileira. E os partidos? É difícil se esperar um compromisso de radicalidade com a mudança, quando a regra básica são os arranjos para a obtenção e manutenção do poder. Em nome da governabilidade perde-se a coerência ideológica e o pudor em abraçar gregos e troianos. O que se assiste no momento é a tentativa de supostos partidos progressistas em compor frentes se aproximando do centro, com visíveis pretensões eleitoreiras, sob o manto do combate à extrema direita. Isso na terra brasilis não pode ser visto com bons olhos, ainda que o motivo seja aparentemente louvável. A história do país registra, repetidas vezes, que as coalizões conservadoras resultam em mais ganhos para as elites retrógadas e prejuízos insuperáveis para os segmentos mais vulneráveis da população. O último arranjo desastroso resultou no golpe institucional ou parlamentar para o impedimento de Dilma Rousseff em 2016, que contou com a desavergonhada traição de uma vice-presidência ungida pelas elites e pelo extremismo à direita da terra de Macunaíma. As composições amainam os ânimos mudancistas e reforçam, geralmente, a manutenção das forças do atraso, que permanecem vivas como brasas, dispostas a qualquer momento, se julgarem necessário, a ressuscitar o golpismo e a alternativa autocrática de governo. O fato mais escabroso é que tais manobras são geralmente bens sucedidas, particularmente porque não falta o terreno fértil, que é adubado com a venalidade dos políticos, com a bestialização da população, com o poder de influência das elites e com a altiva ignorância de vereadores como aqueles de Ribeirão Preto.
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[1] https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/12/4967442-camara-de-ribeirao-preto-aprova-mocao-de-repudio-ao-papai-noel-gay-da-noruega.html e https://www.youtube.com/watch?v=liinmVkgRVw&list=UU_M1ek8fhnDkz5C2zfkTxpg&t=12s
