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Pronunciamento Atrasado

José Mendes de Oliveira

19 de julho de 2025

Como diz o ditado: antes tarde do que nunca. Demorou, mas o presidente do Brasil resolveu fazer um pronunciamento à Nação na noite do dia 17/07/25, expondo a indignação em relação ao tarifaço trumpista contra o Brasil. Mas o que muda efetivamente? Em verdade quase nada, tendo em vista que o pronunciamento parece ter um sentido meramente retórico, quando se considera que, na prática, a solução intentada é levada a cabo pelo vice-presidente à frente de um amistoso comitê de empresários. E o que resulta desse comitê além da troca de ideias? Do nosso ponto de vista, apenas o reforço conservador de um segmento das elites brasileiras, que prefere continuar conversando e negociando com o presidente norte-americano, na esperança de convencê-lo a tratar os exportadores brasileiros com mais benevolência. Resta saber se Trump está disposto a ser um bom samaritano e também a abraçar a alternativa conciliatória.

O que o tal comitê parece ignorar, assim como as autoridades brasileiras, é que a atitude norte-americana não deriva de um posicionamento meramente político-ideológico, como sugere o Cavalo de Tróia da anistia de Bolsonaro imiscuído nas cartas desaforadas de Trump. Em verdade, o tarifaço imposto ao Brasil tem a ver essencialmente com um indisfarçável jogo geopolítico, ou mais especificamente com as tentativas de sobrevida do império norte-americano. É bastante evidente que o foco de Trump e de seus assessores é posicionado em duas direções: a primeira consiste na estratégia de defesa das big techs norte-americanas, que hoje ocupam papel de destaque no contexto econômico e também na sustentação dos interesses norte-americanos, ao ditarem tendências e influenciarem comportamentos, mundo a fora. Trata-se, portanto, de uma defesa aguerrida de poderio tecnológico, de mercados e altíssimos lucros.

O segundo foco tem a ver com os esforços para conter a possível hegemonia econômica da China. Por essa razão, o combate contra os BRICs é realizado de forma agressiva, sobretudo no que se refere às incipientes articulações do bloco em torno da adoção de medidas para a desdolarização do comércio internacional. Colocando-se, portanto, de lado o imbróglio familiar dos bolsonaros, que tanto agrada a imprensa reacionária do Brasil, o que resta de substantivo é a crise de hegemonia dos EUA, iniciada na década de 70 e agudizada nas primeiras décadas do atual século. A instabilidade e declínio do poder norte-americano encontram-se manifestos na política, na economia, na cultura e ideologia dentro do próprio país e em suas relações com o resto do mundo. Nesse contexto, quando o hegemon não consegue mais manter o seu poder alicerçado no consentimento, sobra apenas a coerção materializada em repressões internas, conflitos bélicos e guerras comerciais.

Tomando de empréstimo o argumento gramsciano, com um elevado grau de liberdade nessa concessão, a utilização estratégica da extrema direita brasileira no jogo norte-americano se assemelha à interposição que a fraude exerce entre o consentimento e a coerção ou entre o consenso e a força. Embora não se trate precisamente de cooptação das lideranças de um grupo antagonista com potencial revolucionário, o propósito de causar confusão nas fileiras adversárias ou de desestabilizar o governo que se considera inimigo é similar. Nesse caso, a fraude é realizada como um engano intencional, uma ação ardilosa para distorcer fatos e gerar coação quando não há mais possibilidade de obter a legitimidade pela via do consentimento. A fraude é a porta aberta para a chantagem e para o gangsterismo, que atualmente é praticado pelo trumpismo associado ao bolsonarismo. Para o trumpismo trata-se de geopolítica e para o bolsonarismo, seguindo-se o comportamento tradicional das oligarquias brasileiras, trata-se de salvar a própria pele ou esquivar-se de inúmeros processos judiciais.

Voltando às ações que cabem ao governo brasileiro, é necessário destacar que o pronunciamento do presidente foi oportuno e necessário. Portanto um ponto positivo para o lulopetismo e uma oportunidade impar de abraçar a causa da soberania nacional, que encontra acolhida e aprovação em bases populares. Com isso o governo ganha alguns pontos ascendentes em sua curva de popularidade. Entretanto, a situação requer muito mais que uma solução meramente retórica, ou voltada essencialmente para o pleito eleitoral de 2026. Todos sabemos, ou desconfiamos, que o combate aos excessos da extrema direita brasileira foi terceirizado para o STF, mas é evidente que o judiciário não tem condições, inclusive institucionais, de realizar todo e qualquer enfrentamento. Em se tratando de agressões à soberania nacional, inclusive, cabe ao Poder Executivo atuação mais enérgica no sentido da defesa da integridade e autonomia da Nação.

Tendo em vista a formação social, econômica e política do Brasil, certamente essa atuação mais enérgica confrontará interesses das elites internas, que, historicamente, mantiveram e mantêm relações íntimas com a burguesia internacional, além do alinhamento cego com os interesses norte-americanos. É nesse aspecto que o governo poderá fazer a diferença, caso tenha a altivez e a coragem para mudar os rumos de sua política de austeridade econômica, traçar um projeto de desenvolvimento sustentável para o país e conclamar a população para a realização de um pacto, não com as elites predatórias e antipatrióticas, mas em torno de uma agenda para o crescimento econômico e para o bem-estar social. A defesa da soberania nacional requer a construção de um governo em bases populares e, neste momento, a oposição intransigente ao imperialismo norte-americano.

A postura resignada ou atada exclusivamente ao comportamento conciliatório, no atual cenário de guerra explícita e/ou comercial instaurada pelos norte-americanos, será inevitavelmente compreendida como tibieza. O resultado será a escalada da violência trumpista com o propósito de reforçar para a sociedade norte-americana e para o resto do mundo que a América Latina, e particularmente o Brasil, é o seu quintal ou seu quinhão por direito. Ainda que o tarifaço trumpista possa provocar grandes estragos na economia do país, e certamente o fará, não se deve enxergar o momento apenas pelo viés da crise, mas reconhecer que também se abre a oportunidade para um reposicionamento estratégico no cenário regional e mundial, dentro dos BRICs e no contexto do Sul Global.

O Brasil pode redirecionar suas relações comerciais, fortalecer o seu mercado interno, investir em sua reindustrialização e compor novas parcerias dentro de um mundo multipolar, ainda que isso requeira médio e longo prazos. Para tanto, precisa reaver sua capacidade de planejamento governamental, traçar estratégias, investir no desenvolvimento de sua população e impor à costumeira vassalagem de suas elites uma nova visão de mundo, sem espaço para privilégios e rompantes autocráticos. Por enquanto, não há sinais claros, além do pronunciamento do presidente, de que a intenção seja a de seguir um caminho diferente daquele em que se encontra o governo brasileiro, ou seja, o de uma agenda econômica essencialmente neoliberal, de uma postura ambígua no que se refere às relações internacionais e de uma atuação política conciliatória.

A opção do comitê de empresários para buscar soluções para a agressão trumpista parece ser mais do mesmo e isso não é alvissareiro. Enquanto o empresariado pede mais tempo para negociações, visando assegurar apenas a estabilidade de seus lucros, Trump dobra a sua aposta e aperta ainda mais o torniquete da fraude. Em verdade ele pouco se importa com a economia do Brasil, desde que o país se mantenha como o seu vassalo na América Latina, e que os negócios sejam sempre favoráveis aos EUA. Na lógica do tabuleiro da geopolítica norte-americana é relevante dar bordoadas nos países mais próximos: foi assim com o México e com o Canadá e não seria diferente com o Brasil. Enquanto a burguesia brasileira delirava com a tarifação em 10%, Trump apenas aguardava o momento certo para arrombar a festa com o tarifaço de 50%. O mais importante em sua lógica é aplicar o big stick na testa de quem se encontra em sua soleira, ou seja, o exemplo é dado castigando-se o feudatário. O que resta agora é saber se o injuriado tem brio e dignidade para reagir ou apenas sangue de baratas correndo em suas veias.

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